por Bad Girl, em 26.09.08
Há tantos anos quantos uma mão cheia de dedos pode suportar, passei à porta da casa onde, literalmente, nasci. Dos anos de bebé aos meus 9 anos, toda a minha vida passou por ali. Guardava na cabeça recordações fabulosas daquela casa, do ambiente, dos acontecimentos.
Quando percebi que a casa estava a ser mostrada para venda não hesitei, e fui lá vê-la. Não foi bem a desilusão que tomou conta de mim. Mas toda aquela estrutura não tinha nada para me dizer. As minhas memórias sentiram-se espartilhadas naquele espaço que coisa alguma tinha a ver com as memórias passadas. Fiquei angustiada e, não fosse aquela a rua e aquele o número, e eu podia jurar que não tinha sido naquela casa que tinha vivido aqueles momentos. Ali, nada fazia sentido. Nunca contei aos meus pais, que sei que também guardam boas memórias daquela altura. Com o meu irmão só tive a normal tomada de posição: "Tu e a visão poética das coisas!..."
Nunca mais voltei lá. Passo por lá de vez em quando, mas já não é com saudade ou vontade de lá voltar a entrar que desço a rua. É quase com uma indiferença que me distancia (a mim e às minhas belas memórias) daquele espaço.
*
Quando a inevitabilidade de uma separação chegou, as nossas tentativas de a camuflar não ficaram por mãos alheias. Usávamos de tudo para abordar o tema sem chegar a falar dele.
- E um dia, daqui a muitos anos, encontramo-nos por ai.
- Num aeroporto, a fazer uma escala!
- Sim, tu vens de uma das tuas viagens, assim toda posh.
- E tu, mulher e filhos a tiracolo, vais visitar a família.
- E eu apresento-tos.
- Espero que não leves saltos altos. Porque vais ter de correr muito para fugires de mim.
- Sim, enquanto a mulher e os filhos lancham...
E depois havia variantes. Normalmente ele tinha a prole, e eu estava a trabalhar. Ou de férias, num grupo de amigos.
*
**
- Enquanto estivemos juntos, nunca me falaste da intenção de algum dia fazeres uma
tatuagem.
- Durante o tempo que estivemos juntos, nunca me falaste da intenção de algum dia poderes vir a ignorar uma chamada do trabalho, como acabaste de fazer.
- Vem daí uma conclusão brilhante e filosófica sobre a vida e sobre nós?
- Não, não vem.
*
**
***
- Encontramo-nos num aeroporto, por aí?
- Duvido. Os gatos não andam de avião.
- Ah?
(E, caso não tenham entendido, estas histórias emaranham-se todas entre si)