O cabelo (ou a ausência dele)
Entre Agosto e Outubro, que foi o tempo que durou o meu tratamento com MTX, um dos meus confortos (além da ausência de sintomas secundários em geral) era a não queda do cabelo. De alguma forma, sentia que controlava isto tudo. Contava a quem eu queria, ninguém precisava de saber nada se eu não quisesse. Aos que me perguntavam, quase com o coração nas mãos, se eu estava bem, eu puxava o cabelo e, do alto da minha 'arrogância' dizia que sim, que a minha quimio era tão "fofinha" que nem sequer me caía o cabelo. E depois chegou aquele dia em Outubro, em que me informam que MTX já não resultava e eu, pessoa que tinha lido e relido tudo o que havia para ler e reler sobre protocolos para coriocarcinomas, sabia que atrás deste vinha o EMA-CO e que com ele viria a queda do cabelo. E perguntei à médica, acho que foi a única coisa que lhe perguntei, o resto eu já sabia, afinal já tinha lido e relido tudo o que havia para ler e reler sobre o tema. E ela respondeu laconicamente que podia cair, e poder não é cair de certeza, e eu tinha lido e relido que havia 70% de possibilidade de queda de cabelo e achei que podia muito bem estar ali nos 30% que sobravam (as contas não eram bem assim, mas na altura dava-me jeito). Ainda assim fui cortar o cabelo mais curto, era uma coisa que eu andava para fazer há algum tempo, e já estava a começar a encaixar que talvez - mas só talvez - me fosse cair o cabelo, mais vale prevenir. Ironicamente foi no exacto dia em que publiquei este post (
http://girls-go.blogs.sapo.pt/819054.html), aliás, no exacto momento em que tirei esta foto que MQT me disse:
- Está a cair-te imenso cabelo.
E eu passei a mão pela cabeça (uma e outra vez) e, de cada vez que o fazia, saía meia dúzia de cabelos. E depois passou a uma dúzia, a duas dúzias, a incontável... Acordar era um martírio, sacudir almofadas, pijama, pentear para o lavatório... O cabelo era muito, mas era cada vez menos. O stress matinal era quase insuportável. Pentear-me era uma experiência dolorosa. Tirar qualquer peça de roupa, carregada de cabelos, era uma tortura. O cabelo nunca me saiu em tufos. Nem me caiu todo ao fim de um tratamento, como aconteceu à minha mãe e à minha amiga M. Não sei o que será menos mau. Não deve haver menos mau. É mau. É muito mau de qualquer maneira. É assumir ao mundo: tenho cancro. É perder um (aparente) controlo. A partir do momento em que o cabelo te cai, ficas à mercê dos olhos dos outros. E isso revolta. Não me venham com tangas, cabelo é só cabelo, volta a crescer, o importante é a cura. De acordo. Eu também disse isso. À minha mãe, à minha amiga M., à minha outra amiga M. E é verdade. Mas, digo-vos eu, que também são tretas. O cabelo é o cabelo, e dói muito ficar sem ele por isto. Claro que é um pequeno preço a pagar pela cura, mas é o maior pequeno preço que se paga pela cura. A minha opção, após um mês a sofrer com a queda, foi rapar. Numa sexta-feira saí do trabalho com um cabelo de rato de corte curto, na segunda-feira seguinte cheguei de longos cabelos fartos. A palavra correu sozinha, não tive de dar grandes explicações. Ainda hoje deve haver quem ache que eu fiz extensões. O cabelo cresce, é verdade, e este já começa a aparecer. Fraquito, inconstante, branco (Oh, meu Deus, estou velha!!!). Mas confirma-se: ele volta a crescer.