por Bad Girl, em 24.10.07
Um dos melhores amigos do meu pai está à espera de um coração, no Hospital.
Por estranho que pareça, aquele músculo, a quem tantos atribuem tanta importância sentimental, afinal é essencial para a nossa vida. Não essencial para amarmos, ou para não nos magoarmos. Não essencial para guardar as pessoas lá dentro, ou para nos livrarmos da dor que nos causaram. Não. É fisicamente importante. No sentido figurado, o amigo do meu pai é uma pessoa que podemos descrever como alguém com bom coração. Na realidade, o coração dele é mau. Não presta. Está estragado. Atingiu o prazo de validade antes do resto do corpo. E ele está ali, num Hospital, à espera de um coração. Um destes dias o meu pai foi vê-lo e, ao chegar a casa, disse:
- Tomara que apareça um coração em breve.
Claro que não foi a intenção. O meu pai nem se lembrou, antes de dizê-lo, que para o seu amigo ter o coração que merece, alguém tem de morrer. É verdade. Mereça ou não. É estranha a indiferença e o distanciamento que nos dá o anonimato das pessoas. Uma pessoa que nós conhecemos merece um coração. A pessoa que não conhecemos de lado nenhum, e que morre mas deixa o coração, não passará disso, para nós: um músculo. A salvação daqueles que amamos. Com todo o coração. Toda a carga emocional que carrega este órgão pôs-me a pensar no quão estranha é a vida: no sentido figurado ou não, e misturando ambos os mundos, podemos ter um bom coração, mas ter um coração mau. Um gesto de bondade (vinda do fundo do coração), pode fazer-nos desejar que alguém com um coração bom (mas de preferência com um mau coração), morra. Para substituir o mau coração da pessoa com bom coração. Estranha, a vida, que nos faz depender de um coração não só para sobreviver, mas acima de tudo viver. Porque no coração (no do amigo do meu pai ou nos outros) reside a ansiedade, a paz, a esperança... ou o fim.