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Já vos falei da minha homónima. Contei-vos tudo o que sabia sobre a vida da pessoa, graças aos emails errados que me vinham parar à caixa de entrada. Mais de um ano depois (mando para spam, não valido logins em nada, aviso os amigos), pouco ou nada mudou, não sei se a criatura é estúpida ou se se faz de. Então, um destes dias, estava eu sozinha num país que não é este, um bocadinho mais aborrecida do que uma pescada, nada de jeito na TV, e eis que recebo um email de uma pobre senhora lá do Brasil, que enviava uma proposta à minha homónima para lhe vender um carro em segunda mão. Estava lá tudo: marca, modelo, cor, cilindrada, matrícula e... plano de pagamentos! E eu, que às vezes dou por mim a fazer coisas que são más para uns e boas para outros, decidi enviar-lhe um email que rezava o seguinte:
"Cara senhora
O email que me enviou veio para o destinatário errado. Não se preocupe, acontece-me muito. Não fique triste porque o email não chegou ao destinatário. Talvez este venha a ser a melhor coisa que lhe podia ter acontecido. Por receber muitos (demasiados) emails que são dirigidos à D. Maria Silva, sei que a proposta que envia em anexo vai ser aceite. Essa ou qualquer outra. Tanto quanto sei, ela não tem a mínima intenção de vir a pagar. Tal como não paga o condomínio, a internet, a TV por cabo ou o bilhete de autocarro que comprou para ir para São Paulo. Não sei se voltou, ou como, essa informação não me chegou. Dir-lhe-ia para ligar com ela e confirmar o endereço de email, mas ela comprou um telemóvel novo (um Samsung) há coisa de dois meses e, ou muito me engano, ou devo estar a receber uma nota a dizer que estão duas prestações em atraso e, se calhar, cancelam-lhe o número entretanto. Eu acho que, se ela pudesse, ela pagaria. Mas não com aquela conta no vermelho há mais de um ano, com o Bradesco aos gritos a mandar boletos e ameaças de advogados.
Enfim, faça lá o que quiser da sua vida, mas depois não diga que não a avisaram.
Boa sorte."
Boa acção ou má acção? Limbo. Pois.
Raef Badawi faz hoje 31 anos. É blogger. Não fala de moda, do amor, dos sentimentos ou de futebol no seu blogue. Raef lançou a discussão, na Arábia Saudita, sobre a evolução da sociedade saudita. Por essa ousadia, Raef Badawi, pai de três filhos, foi condenado a 1000 chibatadas, divididas homeopaticamente por 20 semanas, e a 10 anos de prisão. Estranhará esta situação quem viu a Arábia Saudita representada na marcha do passado Domingo em Paris. Estranhará a presença deste país na marcha pela liberdade de imprensa quem respira, em geral. Raef já cumpriu o primeiro castigo, já sofreu as primeiras 50 chibatadas. De olhos postos no céu e sem verter uma lágrima. Raef Badawi não é Charlie. E eu não sou Raef nem Charlie enquanto, sentada confortavelmente no meu sofá, escrevo as palavras que quero com a segurança de quem vive num país onde se pode fazer isso mesmo, enquanto não seguro uma lágrima por Raef. Não há marchas, hashtags ou minutos de circunspecção por Raef. E isso é do menos Charlie que pode haver.
A pedido da Marisa, escrevi (na qualidade de madrinha) sobre o amor, para a página do Mercado dos Santos. Gostem da página (ainda que não gostem do texto) e não deixem de ir ao próximo Mercado dos Santos. Talvez eu me atreva a fazer um desenho para postar na página. E aí sim, vocês vão ver que o amor pode ter muitas formas. Algumas ininteligíveis, claro.
Durante anos, tomada por crises adolescentes, achei que o amor era fodido. Que só seria amor se doesse (muito) cá dentro. Se fosse tanto e tão vil que só se podia manifestar em lágrimas, que teriam de rolar incessantemente umas atrás das outras. Ou que nos inspirava tanto que as palavras, deprimidas e ansiosas, se atropelavam nas frases. Que nos entupia a garganta. Que nos colocava ao pé do suicídio intelectual, todos nós só coração, todos nós somente dor. Todos nós sozinhos, isolados do resto do mundo pela nossa dor, que não faz ideia do que nós, pioneiros do amor, sentimos. Essa ideia de amor, que eu tive há muito tempo, definhou sozinha, de tão doente e fraca que era. O amor que eu conheço não é assim. O amor é brando, sereno. O amor abraça-nos, alvoroça-nos, sim, a barriga, mas apazigua-nos a alma. O amor torna-nos melhores, mais cuidados, mais atentos. O amor não são as palavras que, quando achamos que o amor é aquele turbilhão de tristezas, saem num vómito. O amor vem de dentro. Não vem dos outros. Os outros 'apenas' ampliam o amor que há em nós. O amor cresce dentro de nós e alimenta-se do amor dos outros. Não canibaliza, não explora, respira suavemente e cresce sozinho. Se tomarmos consciência de que o merecemos. De dentro para fora. O amor não é 1+1=2. O amor é a fórmula mais complexa que há. E a mais simples de todas. Elevada ao cubo.
Ao contrário da maior parte das pessoas, não vou pôr-me com falsas modéstias: sou gira, sou inteligente, sou interessante. Mas também sou Má... como todas as mulheres, não é? Como perceberão com as leituras, e como este é um reflexo de mim, naturalmente tenho um blog bipolar!