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Não sei se é do frio, se é da crise ou se é do tédio, andamos mortos por fazer heróis. E fazemo-los. Pelas mais variadas razões. Às vezes as erradas. Vamos por partes, que isto pode soar a machista ou até a invejoso e eu nem uma coisa nem outra, antes pelo contrário. Gosto muito de Cindy Crawford. Sempre gostei. Acho-a um mulherão. Contudo, os anos passam, e o corpo humano não tende a melhorar com eles. O dela não será excepção. E ela é uma pessoa que sempre viveu do corpo. Portanto, na semana passada, quando a senhora me apareceu numa fotografia não manipulada eu pensei "o que é que lhe passou pela cabeça?". Eu acho muito bem que cada um seja como é e, tivesse aquela foto sido tirada num ambiente 'caseiro' ou 'familiar', eu não estranharia. Mas não, era uma produção fotográfica. Cindy estava produzida, mas não editada. E o mundo aplaudiu em pé a 'coragem'. Que assim é que era, gaja que se assume na sua flacidez e nas suas estrias. Que não vai em photoshops nem em plásticas. E eu achei que, se calhar, não se falava da mesma pessoa que apareceu com cara de peixe-balão aqui há uns tempos por causa do botox. E depois percebi que a foto aparentemente não foi publicada com autorização da própria, que as fotos dessa sessão foram editadas (um enorme bem-haja ao senhor do Photoshop daquela revista) em 2013 e que a 'fuga' deve ter tido origem numa ressabiadona qualquer que viu ali uma oportunidade de desfazer um mito. Não tivesse sido uma fuga não intencional (da própria) e eu acharia a foto corajosa. Não bonita. Lamento, mas não acho a foto bonita. Não gosto de ver aquela barriga à mostra, como não gostaria de ver a de uma anónima. Não posso admirar, também, o gesto de quem foi aparentemente apenas vítima dele. E antecipo uma 'onda' de famosos solidários a tirarem fotos não editadas (talvez arranjem uma causa nobre), o que me deixa nauseada. A causa está certa, mas não é honesta. E a honestidade, essa sim, faz fotografias do caraças. Ainda que com um ou outro retoque.
Melhor filme
O que eu queria:
(é por causa de filmes assim que o cinema existe)
O que eu acho que ganha:
(Raio de filme mais nhónhó, pá!)
Melhor actor:
Queria e acho que ganha:
(O filme é ele.)
Melhor actriz
Queria e acho que ganha:
(Bru-tal!)
Melhor actriz secundária
Queria:
(Fantástica)
Acho que ganha:
(Bardajona)
Melhor actor secundário:
Queria:
(Genial!)
Acho que ganha:
(Bah!)
Melhor realizador:
Queria:
(Mais do mesmo não é mau, quando o mesmo é genial...)
O que eu acho que ganha:
(Bah! Bah!)
Mais:
Argumento original: Nightcrawler, que é o grande injustiçado dos Oscars. Merecia, pelo menos, uma nomeação de melhor actor. Ainda assim, acho que ganha o Boyhood, vómito, vómito.
Argumento adaptado: Inherent Vice. Escrever aquilo sem estar drogado (será que Paul Thomas Anderson estava drogado?) é um feito. Acho que ganha "The theory of everything".
Agora que já sabem tudo o que há para saber sobre cinema, vão em paz, e que Fellini vos acompanhe.
Está entre coisas que mais me assustam nesta vida o cérebro poder cansar-se antes do corpo. Tenho medo, muito medo, de perder, aos poucos, a consciência. De me ver mergulhar num mar de memórias baralhadas até, finalmente, me afogar nessas memórias e já não conseguir ver nada. Tomara, mas digo-o com toda a consciência, que me falhe tudo ao mesmo tempo. No papel de uma vida, Julianne Moore é Alice, uma mulher que assiste ao definhar da sua memória até ao dia em que já não sabe o que vê. É aflitivo. Desesperante. Brutal. Uma viagem que sabemos que vai acabar mal. Uma viagem que pode muito bem, um dia, ser nossa. E isso aperta o coração. Dos filmes com nomeações para melhor actriz só me falta ver 'Wilde'. E, se Reese Witherspoon for melhor do que Julianne Moore, eu dou um mortal encarpado e três piruetas no ar. Nunca mais vou conseguir esquecer-me das coisas com leviandade.
Breve passeio pelo mural de Facebook onde alguns sites de jornais partilham notícias. Respirar fundo. Ganhar coragem para ver os comentários e perceber, logo ali, a razão que leva este país a estar numa crise profunda:
Notícia 1:
Doente com Hepatite C pede ao Estado que não o deixe morrer. Comenta-se o telemóvel do doente. Que não se pode queixar. Que quem tem um iPhone novo não pode ousar pedir ao Estado que trate de si. Ainda que o fármaco que pede o doente custe assim umas 70 vezes o que custa o telefone. E que, a bem da verdade, os cidadãos tenham direito a cuidados de saúde. Não queremos saber. Somos mesquinhos, pequeninos e sobredimensionamos minudências subdimensionando coisas importantes.
Notícia 2:
Na Arménia uma mãe quis abandonar o seu filho, nascido com Trissomia 21. Parece que é o que se faz por lá. Perante a recusa do pai, esta atirou-lhe com uma ameaça de divórcio. Ele aceitou o divórcio e pediu ajuda. Juntou 200.000 dólares. Comenta-se que anda por aí muita mãe que criou os filhos sozinha e nunca pediu ajuda ninguém. Bate-se no peito, "eu fiz isso também!". Bate-se no ceguinho: este pai não é herói, este pai fez o básico. É, quando muito, um inútil que andou a cravar dinheiro para criar o filho. Somos grandes, todos heróis, somos os maiores. Quando fazemos somos os melhores, quando os outros fazem, não fizeram mais do que era suposto.
Notícia 3:
Modelo portuguesa desfila para a Chanel. Qual portuguesa qual quê, a miúda é moldava. Lá porque veio para cá aos cinco anos, andamos agora a dizer que é portuguesa, somos mesmo deslumbrados. E feia, ainda para mais miúda é feia, e tem monocelha (era maquilhagem, vão por mim). É magra que dói (só se lhe via a cara, vão por mim também). Somos invejosos. Lidamos mal com o sucesso dos outros.
Para onde vai um país que não se indigna com a falta de cuidados a um doente, que não sente alegria porque um pai fez o que uma sociedade inteira não faz e que não sente um bocadinho de orgulho por ver um rosto (bonito e com duas sobrancelhas) ter sucesso? Não sei para onde vai, mas não vai chegar a bom porto, certamente.
Faltam dez dias para, em correndo tudo bem, fazer um ano desde o meu último tratamento de quimioterapia. Desde o meu adeus (?!?) ao cancro. Normalmente não assinalo estas datas. Hoje é o dia mundial do cancro e eu, para ser franca, não sei bem o que isso quer dizer. Li ou ouvi algures que não se deve falar na luta contra o cancro. Que as pessoas que morrem não deram, só porque não viveram, menos luta do que as outras, as que ganharam. E eu não sei bem o que achar disso. Nunca soube. Tu não estás à espera de um cancro. Sim, a tua mãe tem cancro e toda a tua vida adulta soubeste que estavas ali, mesmo a jeito do cabrão te apanhar. Mas tu não achas MESMO que ele vai aparecer. Hoje em dia, com uma cabeleira que quase me chega aos ombros, já quase não me lembro que tive cancro. E, quando falo nisso, ainda tenho de explicar às pessoas que até tive muita sorte, que foi o que tinha de ser, que já está lá para trás. E elas com aquela cara, a gaja deve estar a gozar, não teve cancro nenhum e eu pronto, vamos lá almoçar, então. Não tenho paciência para conversas de cancro. Porque elas trazem as caras de 'coitada, ela teve cancro' e eu não estou para isso. Também deve ser hereditário. Mas sinto, nem me perguntem porquê, às vezes sinto, que tenho a obrigação de falar da minha experiência. Porque não foi tenebrosa. Porque não me mudou. Porque não me trouxe epifanias em catadupa nem me transformou numa melhor pessoa, numa pessoa mais dura ou numa pessoa mais forte. O cancro veio a pés juntos quando eu achei que estava grávida. Apanhou-me de surpresa duas vezes, fez-me perder o cabelo todo, alguma paciência e meia dúzia de dias bons. O cabelo voltou a crescer, a paciência, chego à conclusão, nunca a tive em doses decentes e os dias bons... Esses estavam para vir, alternados com os maus, como sempre. Eu sei que tive muita sorte. O meu cancro foi detectado a tempo, incansavelmente tratado por profissionais extraordinários que me fizeram nunca querer baixar os braços, ainda que o cabrãozinho às vezes lhes (nos) trocasse as voltas. Eu não sei bem se tive uma boa atitude perante isto tudo porque o coriocarcinoma, ainda que sendo um filho da puta igual aos outros, é um cancro dos que vão embora (quando vão) para sempre ou se sou eu que sou mesmo assim, meia destrambelhada das ideias. Aqui há tempos recebi um email de uma pessoa que encontrou o meu blogue porque tinha sido, ela também, presenteada com um destes imbecis e que estava indignada com a forma como eu abordava o assunto. Que não estava bem, eu não mostrava respeito, que era impossível eu ser uma pessoa normal e ter escrito aquilo porque ela ainda estava comida por dentro e não conseguia, sequer, parar de chorar. E eu compreendi. Como compreendo quem se transforma no cancro, quem se deixa absorver pelo cancro, quem se mata por ele, quem decide partilhar a sua história, quem a guarda só para si, quem muda a sua vida ou quem se transforma numa pessoa diferente. Compreendo isso tudo, porque todos somos diferentes. E eu só desejo que todos os que estão, neste momento, a passar por um cancro possam, daqui por um ano, estar a respirar de alívio também.
Ao contrário da maior parte das pessoas, não vou pôr-me com falsas modéstias: sou gira, sou inteligente, sou interessante. Mas também sou Má... como todas as mulheres, não é? Como perceberão com as leituras, e como este é um reflexo de mim, naturalmente tenho um blog bipolar!