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Acompanha-me há tempos uma embirração muito grande com a palavra 'guerreira' quando usada para descrever pessoas que são confrontadas com um cancro e que fazem o expectável, que é tratar-se. Como pessoa que teve cancro (usar o passado nestas coisas é sempre uma questão discutível, mas fica assim), a palavra nauseia-me até ao infinito. Se calhar, até mais além. Primeiro, eu não fui para a guerra, fiquei doente. Se dias houve em que não me faltou a boa disposição e a coragem, outros houve em que tive muito medo. Não é uma guerra, é uma doença. Não há estratégias, exércitos, opção. Não dependemos de nós. Dependemos do nosso corpo, dos químicos, da doença e da sorte. Nós entramos com as veias. Podemos entrar com o optimismo e com a coragem, com alimentação mais saudável e com reiki. Mas, não nos iludamos: a doença entra com tudo. É cabra, falsa, cheia de surpresas e com muito mais força do que a nossa força de vontade. Se tudo se conjugar, se os tratamentos resultarem, se as tuas veias levarem a droga a bom porto, se tiveres detectado a doença a tempo, se fizeres tudo direito, com alguma sorte, podes ver os marcadores ir a zero. Mas a cada ressonância com uma sombra, a cada nódulo novo, a cada 'sintoma' estranho, desilude-te: não será, nunca, possível ficares por cima, ganhar. Porque isto não é uma guerra. Não tem fim. É uma longa jornada cheia de sustos e que nunca, mas mesmo nunca, termina. A minha mãe tem cancro há 14 anos. 14. Já teve dias melhores, já teve dias piores, já esteve presa a uma cama sem se poder mexer e já teve dias em que podia fazer tudo. Ela não se acha uma guerreira. Aliás, a palavra faz-lhe tanta espécie como a mim. Uma guerreira pressupõe uma guerra. Numa guerra há um lado mais forte e um mais fraco. Por vezes, por coisas inumeráveis, pode ganhar o mais fraco. Mas termina. Há um vencedor e um vencido. A palavra 'guerreira' foi-me dita dezenas de vezes quando o cancro me apanhou de surpresa, quando me trocou as voltas, quando me queimou as veias, quando me levou o cabelo, quando quase me esgotou a força. E eu não disse nada, nunca, pois sei que as pessoas não sabem que essa palavra me cai mal. Mas cai. Sobretudo hoje, que a minha mãe perdeu uma amiga para o cancro. Que soube que tinha cancro e que não havia nada a fazer, ele já estava por todo o lado e era uma questão de tempo, pouco, até que ele terminasse o que começou. Ela não teve coragem. Não teve força. Não se tratou, não meteu na cabeça que havia de levar a melhor. Ela não é uma não-guerreira. É apenas uma pessoa que não teve uma única oportunidade de dar a volta à situação. Acho, até, ofensivo para estas pessoas, as que não chegam a ter uma hipótese, que se inunde o mundo com a palavra guerreira. Não é uma guerra. Não acaba nunca. Viver com isso não é ser guerreiro. É viver.
A internet indignou-se (surpresa!!!) ontem, ou anteontem, ou num passado recente por causa de uma cadela.
Tadinha da bicha, trataram-na mal? Não, vai-se a ver e não foi isso.
Adoptaram-na e devolveram-na? Nops.
Já sei! Estava acorrentada! Errado.
A cadela morreu. Eu costumo dizer que foi para o céu dos cães, mas neste momento julgo que é melhor dizer que morreu, que eu tenho medo de levar uma solha digital. Marta Melro, actriz que eu não conheço, tem uma página, como qualquer figura pública, algumas lojas e muitos bloggers. Também tinha uma cadela, que morreu esta semana, julgo. A notícia foi dada com dor, como deve ser dada a notícia da morte de um elemento da família (solha digital na outra face). Mas a Marta ficou por aqui? Não, a Marta abusou da sorte. A Marta teve a distinta lata de usar a SUA página de Facebook para partilhar a sua dor e terminou dizendo, a abusada, que tinha perdido o seu anjinho. E foi o fim do mundo, pois foi, mas onde é que a Marta pensa que está? Na sua própria página? A escrever o que sente? Mas que é isto, agora vivemos em liberdade, queres ver? Um dia destes a Marta acorda e ainda acha que pode votar, ou conduzir. Pois que há pessoas revoltadas, claro que há, as pessoas com pouco chão para lavar revoltam-se muito, mas agora uma cadela é um anjinho (ou 'anginho' como cheguei a ver), onde é que nós estamos, afinal? Diz o Decreto de Lei n. 27/1965, artigo mesquinho, alínea imbecil, que a palavra "anjinho" está reservada apenas e só para crianças, com idades não superiores a 3 anos, e só em situações aprovadas pelo comité da preservação da utilização de palavras várias que estão guardadas num baú e reservadas para ocasiões que só um punhado de eleitos sabe quais são. Nós, os mortais, só sabemos se usamos uma delas quando o comité nos bater à porta e: 1 - insultar
2 - ameaçar de morte
3 - desejar a morte
4 - insultar a cadela morta
5 - insultar a mãe
6 - desejar a morte de pessoas como nós
7 - decretar que é por causa de gente como nós que o país está como está
Há mais possibilidades, que isto é gente que nunca pára de criar, havendo um computador para se esconder, a coragem desta gente afrontada não tem limites. Pronto, mas serve este post não para comentar o quão surpreendente é haver computadores na Idade Média e os comentários virem cair nos dias de hoje, mas para submeter uma lista de nomes que eu chamo às minhas cadelas. Se alguém do comité quiser dar uma vista de olhos e passar já o lápis azul, eu agradeço. Sei que há dias que vivo no limite: Chata, gorda, badocha, docha, pateta, cabra, nhonhas, sonsa, macaquinha, princesa (lixei-me), saltitona, micas, lola, fófi (no limite), riqueza (porrada, tanta porrada), porquita, pequenita, interesseira. Não me lembro de mais. Há mais, eu sei, não estou a tentar safar-me. Desculpem...
Ao contrário da maior parte das pessoas, não vou pôr-me com falsas modéstias: sou gira, sou inteligente, sou interessante. Mas também sou Má... como todas as mulheres, não é? Como perceberão com as leituras, e como este é um reflexo de mim, naturalmente tenho um blog bipolar!