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Discriminação

por Bad Girl, em 02.03.08
Foto de Daniel Oliveira

Pensei muito antes de escrever este post. Até há poucos anos atrás era um assunto que me magoava muito. Este momento de seriedade e quase confissão não servirá para desmarcar o ritmo deste blog. Amanhã voltaremos ao registo habitual.

Foi ao ler este artigo que um avassalador número de memórias caiu em cima de mim. É costume dizer-se que são as crianças que são cruéis. Nunca senti a crueldade das crianças na pele, no meu tempo. Contudo, a estupidez desmedida dos adolescentes tonaram o final da minha adolescência num inferno.

Começo do princípio, e tento usar todo o distanciamento que me for possível. Nos meus 10º, 11º e 12º anos vivi os piores anos da minha vida. A somar a todas as crises existenciais típicas da idade, ao transformar diário do corpo, ao ganhar formas, havia ainda aquela pseudo-guerra dos rapazes com as raparigas. Apesar de ainda miúda, já tinha esta atitude de indiferença para com o resto do Mundo. Não é arrogância, não é sentimento de superioridade. A bem da verdade, naquela altura, eu nem sequer tinha mau feitio. Andava na escola para aprender, e era para isso que eu lá estava. Sempre estive no grupo dos melhores das aulas. Nunca fui de socializar muito. Nesse aspecto sempre fui muito coerente: se não me agrada a conversa, não perco o meu tempo. Talvez tenha sido por tudo isto, talvez tenha sido por nenhuma destas razões, sempre fui alvo de algumas implicâncias. Numa altura em que as colegas da turma ostentavam seios proeminentes ou, pelos menos, desenvolvidos, os meus teimavam em não aparecer num tamanho suficiente para "encher a vista" dos meus coleguinhas de turma. Assim sendo, desde a primeira aula do dia até à última, desde que entrava no autocarro até à altura em que de lá saía, durante três anos, todos os dias, de segunda a sexta, eu ouvi bocas que variavam entre o "olha a tábua!" até ao original "sai ao pai". A minha resistência em ir às aulas começou a ser tão grande que tive de ser arrastada pelos meus pais para um psicólogo. Talvez alguns de vocês não entendam, mas fosse qual fosse a razão, a pressão psicológica chegou a um ponto quase intolerável. O médico garantia-me que, com toda aquela pressão, eu estava também a ordenar ao meu corpo que ele não se desenvolvesse. Foi já por alturas do 12º ano que eu comecei a treinar as minhas "orelhas moucas". E, apesar de ter ficado muito boa nisso, nem sempre o filtro viria a funcionar tão bem como eu gostaria.
***
Acabou-se o liceu, cada um seguiu a sua vida. Mantive o contacto com as minhas duas únicas amigas da altura. Há cerca de dois anos, alguém que certamente não terá vivido aqueles anos da mesma forma que eu, decidiu organizar um jantar. Tinham-se passado dez anos. Senti um nó na garganta quando disse que sim, que ia. E foi quase como aquilo que se vê nos filmes americanos. Dez anos depois, e apesar de eu ter acabado o liceu a "sair ao pai", lá fui eu. Precisava daquela catarse. No final do jantar era consensual: eu era a que mais tinha mudado. Alturas houve, durante o jantar, em que alguns daqueles que mais me massacraram não tiveram coragem de olhar-me nos olhos. No seu olhar, pedidos de desculpas em catadupa. Nessa altura eu percebi que estava, finalmente, livre de toda aquela pressão, e que já nada daqueles anos me dizia nada. Não os esqueci, e não quero. Tenho uma sobrinha, tenho amigos com filhos, não sei se virei a ter filhos meus. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para nunca os ver passar por isto. E sei o que sentem estes miúdos que falam nesta reportagem. Também sei que nada do que lhes for dito pode adiantar alguma coisa. Só o tempo pode resolver estas coisas.


16 comentários

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De Pitux a 03.03.2008 às 00:08

Eu não iria NUNCA a um jantar, tendo se passado esse tipo de situação. Aliás, já recusei um! Não tenho saudades nenhumas do meu secundário, precisamente pelas pessoas que lá estiveram nas minhas turmas. É um passado para esquecer. E não mais voltar a ver aquelas caras.

(e só para se conste, eu passei (infelizmente) mais ou menos o que descreves aqui).

E, portanto, admiro a tua coragem em ires.
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De Nani a 03.03.2008 às 00:22

Quem as tinha mais desenvolvidas passava pelo mesmo ... eu chegava a dobrar as costas de forma a que não se notasse tanto.
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De Rui a 03.03.2008 às 00:24

Ahhh a questão da roupa no secundário. Como era bom andar sempre de Docs, calças pretas e t-shirt branca :) Mas se não fosse a roupa era a aparência física, o cabelo, um aparelho nos dentes, uma maneira diferente de falar, ou alguma outra coisa estúpida como a família, alguma situação mais caricata que ocorrera, ou uma maneira de ser fora do vulgar.

Os sortudos conseguiam arranjar alguém com a mesma caracteristica e formar um clube, ou modificarem-se ligeiramente para se enquadrarem num. Betos, cromos, punks, góticos, metaleiros, havia de quase tudo.

A adolescência é aquela fase em que traumatizamos e somos traumatizados. É como um film noir, em que o passado volta sempre para nos atormentar. Tiveste sorte. Conseguiste resolver tudo... ou quase tudo, pois sempre ficaste com essa veia maléfica :) Muitos nunca o conseguem...
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De Curiosa a 03.03.2008 às 01:31

Eu teria ido também, sem o mínimo de complexos, embora tivesse sido alcunhada nesse tempo, como a dos "caroços"!!!
O facto é que hoje todos se redimem...! Azar para os que tanto desprezaram!
;)
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De Comendador Antunes de Burnay a 03.03.2008 às 08:46

Ainda ontem, na quinta, era este o tema de conversa com o meu velho amigo Conde de Redondo. Este "fenómenno" do bullyng sempre existiu. Sempre houve o "gordo", a "caixa de óculos", o "cabeça de melão". Eu próprio era o "homem tripé", apesar de, manifestamente, não me incomodar deveras com a alcunha...
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De Inês a 03.03.2008 às 20:26

As crianças são cruéis, os adolescentes também, e os adultos não são menos. Basta pensarmos na quantidade de comentários que fazemos do género: "está tão gorda!", "aquela saia é horrível!", "já cortava aquela gadelha!". Se calhar está na hora de começarmos a ser mais tolerantes com as diferenças que temos ;)
De resto só tenho mais uma coisa a dizer... Fortes são aqueles que conseguem resistir aos seus complexos. Sei que não sou uma top model mas no fundo adoro-me :P
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De Pedro a 03.03.2008 às 22:26

Eu acho que nem tudo o tempo ajuda a esquecer!
Há coisas que nos marcam tanto que nunca nos deixam, amainam um pouco mas nunca nos abandonam!
E quando estamos mais frágeis, eis as desgraçadas das recordações que saltam, para nos atormentar!
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De Girstie a 03.03.2008 às 22:27

Eu sofri mais na preparatoria e porque era menstruada e alguém o descobriu e gozavam cmg até no autocarro. Mas felizmente que lhes passou.
Ontem estive a ver a serie da tvi dos casos reais em que um puto sofria com achacota dos outros. Infelizmente as crianças podem ser mt crueis e os mais "fracos" é que acabam por sofrer. Tu acbaste por ser uma grande lição para os anormais desses teus colegas. :)

beijinhos
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De PDuarte a 03.03.2008 às 22:29

Tantos anos depois do 12º ano ainda as uso. Só não são azuis, são as brancas classicas.
Um beijo, meu cianetozinho.
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De Edu a 04.03.2008 às 09:57

Fizeste tu muito bem em ir ao jantar, eu tb iria.
apesar de nc ter passado por uma situaçao equivalente a tua tb n pertencia ao grupo dos q mandavam as bocas, estava no meio termo.
bem, mas se calhar e graças a isso, é graças e essa pressao que tiveste no secundário que agora es como és...

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Ao contrário da maior parte das pessoas, não vou pôr-me com falsas modéstias: sou gira, sou inteligente, sou interessante. Mas também sou Má... como todas as mulheres, não é? Como perceberão com as leituras, e como este é um reflexo de mim, naturalmente tenho um blog bipolar!

 

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