Isto de se ser uma rapariga má, que vai a todas e só aleija os outros nem sempre tem tanta graça como parece.
Isto de se ter de ter boa cara quando a vida anda uma merda, só porque se é mais forte que as adversidades nem sempre tem piada.
Isto de nos rirmos desalmadamente das coisas que nos acontecem, encontrando nelas alguma ironia quase cinematográfica não é tão divertido como à primeira vista pode parecer.
Esta coisa de não nos mandarmos de cabeça à
gata paraquedista quando encontramos uma janela pela qual queremos mesmo mesmo mesmo saltar... é uma put@ de uma forma de cobardia inenarrável.
Sim, é verdade, eu vou a todas, eu rio-me das minhas desgraças, eu chuto para canto quem não interessa, e de preferência com um sapato bicudo bem espetado numa das nádegas do sujeito ou da sujeita, e até me mando de cabeça e sem pára-quedas por aquelas janelas que me interessam mais ou menos.
E quando me aparece uma janela fantástica? Aquela que pode ser a janela pela qual esperamos saltar toda a vida? Aquela que, se não houver nada para amparar a queda lá em baixo,
what a fuck, não há-de ser assim tão complicado lamber as feridas e seguir... E quando essa janela é uma daquelas janelas que está entreaberta e anda para trás e para a frente, com o vento, e nós não sabemos se vamos conseguir saltar ou se vamos espetar os vidros da janela na nossa bela cara, tão pouco habituada a levar com janelas violentamente lançadas na sua direcção? E se, mesmo assim, tivermos a certeza que aquele é o salto que queremos dar? Que o que está para além daquela janela é um destino que imaginamos tão fantástico e cheio de coisas tão boas, que mesmo que uma perna venha a ficar partida, não há qualquer problema? E o que é que esta gata faz, perante esse cenário? Fica ao pé da janela, a apreciá-la, a ameaçar que "agora é que é, vai ser mesmo desta que eu vou saltar... espera... não... salto daqui a um bocado..." e a sentir a suave brisa que vem do lado de fora, que vai fazendo a janela ora abrir-se agora, ora fechar-se depois. Fica sentada a olhar lá para fora, a sentir o suave toque do cortinado a roçar-lhe nos bigodes, a pensar "que bom que é, se eu ao menos conseguisse chegar lá fora...". E depois, quando nada o fazia prever, a janela abre um bocadinho mais. Ainda não suficiente para a gata passar toda por lá, mas o bastante para ela poder esticar uma pata e fazer o resto do serviço. E o que é que ela faz? Eriça o pelo, sai em sua defesa, sem que tenha havido um ataque. Fala de outras janelas, de outras cortinas e de outras brisas que já conheceu, ou que existem naquela casa. Lembra-se de outras quedas, mais ou menos marcantes. Desconversa. Faz piadas. Não deixa que levem a sério aquele desejo de saltar por aquela janela.
Diz "gosto de ti" mil vezes mas não enfatiza. Não diz que é um "gosto de ti" de "adoro-te, e queria saltar pela tua janela". Nãããã... muito arriscado... Muito arriscado. E pensa duas vezes antes de acusar o excesso de trabalho como único culpado de ter escrito este post? Pensa. Porque assumir que tem sentimentos está mal...