por Bad Girl, em 29.08.13
Ontem, na sala de espera do IPO assisti a uma conversa deliciosa, que também mostra um bocadinho daquilo que nós somos todos.
O contexto do local é de somenos importância mas necessário, tendo em conta os meus últimos locais, ou era lá ou aqui no meio do nada, onde os únicos inputs externos que recebo são o burro a zurrar e os patos a grasnar. Isto todo o dia. Enfim, voltando à sala de espera, um tipo, talvez no fim dos trinta, nunca fui muito boa nisto das idades, fazia companhia aos tios. O tio ia fazer tratamento e a tia estava com ele. O discurso era fluído, culto, houve duas ou três deixas que me fizeram perceber que estes não viviam nada mal. Também não é importante, esta última parte, para a conversa. O sobrinho era publicitário, pareceu-me.
Ora bem, ao fim de alguma conversa, lá vem o sobrinho, num tom ligeiramente provocador:
- Então já conhecem o bebé da Marta (nome trocado)?
Os velhotes lá responderam que não, que ainda não tinham tido tempo, mas que a Marta havia de ir lá a casa para a semana. O sobrinho continuou:
- É giro. É mulato.
E os velhotes que não, que ainda não viram, e ele lá carregou outra vez:
- Eu mostro-vos.
E abriu o Facebook, suponho, e lá fez desfilar as fotografias do puto. O velhote lá comentava, inconsolável:
- Preto, o miúdo não é mulato, é preto.
A senhora não abria a boca, e o sobrinho lá picava:
- E acham-no parecido com quem?
E o velhote, desolado, respondia:
- Então se o miúdo é preto e a Martinha é branca, claro que é igual ao pai. Não tem nada nosso.
No meio da conversa percebe-se que a Marta e o pai da criança vivem em Moçambique. E o velhote quer saber quando voltam a Moçambique, o sobrinho não sabe, e se ele tem família lá, e o sobrinho dá outra facada, dizendo:
- Ele nasceu em Chelas, não tem família em Moçambique. Chelas é um bairro social perto de Lisboa.
E o velhote lá comentava, nas minhas costas, mas aposto que abanando a cabeça:
- Eu não percebo. A nossa Marta, uma rapariga tão decente.... Não percebo como é que se foi encantar por um tipo destes. Não percebo. Sempre foi tão atinada, e foi-se meter com um tipo destes... Preto.
E o outro, que tinha estado sempre a picar, chega ao fim da conversa dizendo:
- Mas atenção que ele é bom tipo.
E pronto. Cada um enfiado na sua gaiola dourada.