por Bad Girl, em 23.08.14
No livro que eu estou a ler, MEC fala da interacção do doente de cancro com os maravilhosos profissionais que nos apoiam. Não escrevi 'pacientes' porque, tudo o que eu não fui durante todo o tempo em que me passeei à força pelo IPO foi paciente. Suponho que tivesse esse direito. Fui 'vítima' de muitos internamentos. Não sei quantos, alturas houve em que soube, conta certa, quantos foram. Para além dos internamentos, houve o Hospital de Dia. Nunca me despedi de nenhuma das pessoas que tão bem tomaram conta de mim. Não foi por mal, nem por falta de educação e muito menos por falta de gratidão. Nessa mesma crónica, acho, MEC diz também que dizemos muitas vezes 'Obrigada'. Obrigada por acertar na veia à primeira, obrigada pelo sorriso, obrigada pelo cuidado, obrigada por usar o meu nome, obrigada pela droga que me irá ajudar a recuperar, obrigada pela frontalidade, odeio paninhos quentes, obrigada pelo optimismo. De todas as vezes que vou ao IPO, à razão mínima de uma por mês, digo sempre, à saída, que não me lembrei de subir ao quarto andar, para me 'despedir' dos 'meus' enfermeiros. Fica para a próxima. E depois penso que não, já não vale a pena, o passar do tempo já me fez ficar esquecida, por certo. E assim vou eu, empurrando com a barriga uma ideia que, agora sei, já não passa disso.
Eu não deixei de me despedir de propósito. A verdade é que os meus internamentos, talvez os últimos três, foram os anunciados penúltimos muitas vezes. Ou era assim que eu ouvia. E o último foi anunciado como, no mínimo, mais um penúltimo. No dia em que me disseram que não voltava, pernas para que te quero, teria sido tão fácil subir ao quarto andar, ou ir ao Hospital de Dia e dizer 'Obrigada!', mas o medo de me estar a precipitar era grande. À medida que o resultado se reforçava, o nó na garganta de voltar ao sítio onde estive doente crescia. Faltou-me coragem. E não me chateia nada admitir que não tive nem tenho coragem de voltar, de me despedir. Porque, ainda que optimista inveterada, há sempre um mosquito imaginário a zumbir-me aos ouvidos com um 'Sabes lá tu se é uma despedida...'. Não quero mal a este mosquito. É ele que me fornece a medida necessária de realismo que preciso ter. Não leva as noites a zumbir-me aos ouvidos, passam-se semanas que nem me lembro que existe mas, de quando em vez, aparece. Ainda que seja para me impedir de bradar ininterruptas palavras de vitória. Não há semana (to say the least) que não me lembre do enfermeiro Pedro, do Hospital de Dia, que me deu a primeira pica, me entregou um livrinho de introdução à químio e que, mais tarde vim a saber, perdeu o pai para o cancro. Da enfermeira Lurdes, que me olhou encantada quando lhe disse que ia a Istambul, algo surpreendida quando soube que (ainda por cima) era a trabalho e que, duas semanas depois, lá estava para ouvir como era a cidade. Da enfermeira Lúcia, que 'correu' com a minha mãe e com MQT no meu primeiro internamento, e que levou com o pior de mim, assustada e furiosa com a nova condição de futura careca. E do enfermeiro Miguel, que 'soube' antes de mim que aquela era a última vez e até se veio despedir, para depois eu lhe dizer que não, aquela não era a última vez (nós não sabíamos, mas era). E de tantos outros, cujos nomes não guardei mas que estão no meu coração (foram duas anestesias gerais e muita, muita droga. Já de muito me lembro eu...). A todos, todos eles, sem excepção, o meu enorme obrigada.
20.08.2014