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Faltam dez dias para, em correndo tudo bem, fazer um ano desde o meu último tratamento de quimioterapia. Desde o meu adeus (?!?) ao cancro. Normalmente não assinalo estas datas. Hoje é o dia mundial do cancro e eu, para ser franca, não sei bem o que isso quer dizer. Li ou ouvi algures que não se deve falar na luta contra o cancro. Que as pessoas que morrem não deram, só porque não viveram, menos luta do que as outras, as que ganharam. E eu não sei bem o que achar disso. Nunca soube. Tu não estás à espera de um cancro. Sim, a tua mãe tem cancro e toda a tua vida adulta soubeste que estavas ali, mesmo a jeito do cabrão te apanhar. Mas tu não achas MESMO que ele vai aparecer. Hoje em dia, com uma cabeleira que quase me chega aos ombros, já quase não me lembro que tive cancro. E, quando falo nisso, ainda tenho de explicar às pessoas que até tive muita sorte, que foi o que tinha de ser, que já está lá para trás. E elas com aquela cara, a gaja deve estar a gozar, não teve cancro nenhum e eu pronto, vamos lá almoçar, então. Não tenho paciência para conversas de cancro. Porque elas trazem as caras de 'coitada, ela teve cancro' e eu não estou para isso. Também deve ser hereditário. Mas sinto, nem me perguntem porquê, às vezes sinto, que tenho a obrigação de falar da minha experiência. Porque não foi tenebrosa. Porque não me mudou. Porque não me trouxe epifanias em catadupa nem me transformou numa melhor pessoa, numa pessoa mais dura ou numa pessoa mais forte. O cancro veio a pés juntos quando eu achei que estava grávida. Apanhou-me de surpresa duas vezes, fez-me perder o cabelo todo, alguma paciência e meia dúzia de dias bons. O cabelo voltou a crescer, a paciência, chego à conclusão, nunca a tive em doses decentes e os dias bons... Esses estavam para vir, alternados com os maus, como sempre. Eu sei que tive muita sorte. O meu cancro foi detectado a tempo, incansavelmente tratado por profissionais extraordinários que me fizeram nunca querer baixar os braços, ainda que o cabrãozinho às vezes lhes (nos) trocasse as voltas. Eu não sei bem se tive uma boa atitude perante isto tudo porque o coriocarcinoma, ainda que sendo um filho da puta igual aos outros, é um cancro dos que vão embora (quando vão) para sempre ou se sou eu que sou mesmo assim, meia destrambelhada das ideias. Aqui há tempos recebi um email de uma pessoa que encontrou o meu blogue porque tinha sido, ela também, presenteada com um destes imbecis e que estava indignada com a forma como eu abordava o assunto. Que não estava bem, eu não mostrava respeito, que era impossível eu ser uma pessoa normal e ter escrito aquilo porque ela ainda estava comida por dentro e não conseguia, sequer, parar de chorar. E eu compreendi. Como compreendo quem se transforma no cancro, quem se deixa absorver pelo cancro, quem se mata por ele, quem decide partilhar a sua história, quem a guarda só para si, quem muda a sua vida ou quem se transforma numa pessoa diferente. Compreendo isso tudo, porque todos somos diferentes. E eu só desejo que todos os que estão, neste momento, a passar por um cancro possam, daqui por um ano, estar a respirar de alívio também.
Ao contrário da maior parte das pessoas, não vou pôr-me com falsas modéstias: sou gira, sou inteligente, sou interessante. Mas também sou Má... como todas as mulheres, não é? Como perceberão com as leituras, e como este é um reflexo de mim, naturalmente tenho um blog bipolar!