Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]




Guerreira não, obrigada

por Bad Girl, em 10.06.16

Acompanha-me há tempos uma embirração muito grande com a palavra 'guerreira' quando usada para descrever pessoas que são confrontadas com um cancro e que fazem o expectável, que é tratar-se. Como pessoa que teve cancro (usar o passado nestas coisas é sempre uma questão discutível, mas fica assim), a palavra nauseia-me até ao infinito. Se calhar, até mais além. Primeiro, eu não fui para a guerra, fiquei doente. Se dias houve em que não me faltou a boa disposição e a coragem, outros houve em que tive muito medo. Não é uma guerra, é uma doença. Não há estratégias, exércitos, opção. Não dependemos de nós. Dependemos do nosso corpo, dos químicos, da doença e da sorte. Nós entramos com as veias. Podemos entrar com o optimismo e com a coragem, com alimentação mais saudável e com reiki. Mas, não nos iludamos: a doença entra com tudo. É cabra, falsa, cheia de surpresas e com muito mais força do que a nossa força de vontade. Se tudo se conjugar, se os tratamentos resultarem, se as tuas veias levarem a droga a bom porto, se tiveres detectado a doença a tempo, se fizeres tudo direito, com alguma sorte, podes ver os marcadores ir a zero. Mas a cada ressonância com uma sombra, a cada nódulo novo, a cada 'sintoma' estranho, desilude-te: não será, nunca, possível ficares por cima, ganhar. Porque isto não é uma guerra. Não tem fim. É uma longa jornada cheia de sustos e que nunca, mas mesmo nunca, termina. A minha mãe tem cancro há 14 anos. 14. Já teve dias melhores, já teve dias piores, já esteve presa a uma cama sem se poder mexer e já teve dias em que podia fazer tudo. Ela não se acha uma guerreira. Aliás, a palavra faz-lhe tanta espécie como a mim. Uma guerreira pressupõe uma guerra. Numa guerra há um lado mais forte e um mais fraco. Por vezes, por coisas inumeráveis, pode ganhar o mais fraco. Mas termina. Há um vencedor e um vencido. A palavra 'guerreira' foi-me dita dezenas de vezes quando o cancro me apanhou de surpresa, quando me trocou as voltas, quando me queimou as veias, quando me levou o cabelo, quando quase me esgotou a força. E eu não disse nada, nunca, pois sei que as pessoas não sabem que essa palavra me cai mal. Mas cai. Sobretudo hoje, que a minha mãe perdeu uma amiga para o cancro. Que soube que tinha cancro e que não havia nada a fazer, ele já estava por todo o lado e era uma questão de tempo, pouco, até que ele terminasse o que começou. Ela não teve coragem. Não teve força. Não se tratou, não meteu na cabeça que havia de levar a melhor. Ela não é uma não-guerreira. É apenas uma pessoa que não teve uma única oportunidade de dar a volta à situação. Acho, até, ofensivo para estas pessoas, as que não chegam a ter uma hipótese, que se inunde o mundo com a palavra guerreira. Não é uma guerra. Não acaba nunca. Viver com isso não é ser guerreiro. É viver.



Mais sobre mim

foto do autor


Ao contrário da maior parte das pessoas, não vou pôr-me com falsas modéstias: sou gira, sou inteligente, sou interessante. Mas também sou Má... como todas as mulheres, não é? Como perceberão com as leituras, e como este é um reflexo de mim, naturalmente tenho um blog bipolar!

 

Algo a dizer? BAD MAIL

badgirlsgoeverywhere (arroba) gmail.com

Arquivo

  1. 2016
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2015
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2014
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2013
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2012
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2011
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2010
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2009
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2008
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2007
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2006
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D