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Hoje fui ver o meu afilhado. Quando cheguei, correu de braços abertos para mim e prendeu-me as pernas com toda a força que tem, quase não me deixando passar da porta. Durante as cerca de duas horas que passei lá, ele esteve demasiado ocupado a ignorar-me. Fizesse eu o que fizesse (e só me faltou fazer o pino), a criança tinha sempre coisas muito mais importantes em que pensar. Quando anunciei que ia embora, a criança desatou aos gritos e a única palavra que lhe saía da boca era "Não!!!"....
Homens. É tudo a mesma coisa.
E para verem que esta coisa dos presentes que põe as crianças em delírio e os pais a baterem com a cabeça na parede não vem de hoje, quando a filha do pai do meu afilhado (ah, gente mais complicada!) fez seis anos eu dei-lhe um kit de maquilhagem. Foi um festival de cores naquela casa. A minha política no que diz respeito a presentes de crianças é simples: são elas que têm de gostar dos presentes, não os pais. Claro que ajuda o facto de não ter filhos. E de sair porta fora no fim da festa.
PS - Não, não é nada contra este casal especificamente...
Roupas? Tem tudo. Brinquedos? Tem tudo. Conta no banco, libras de ouro, you name it, he has it. Muito do que o dinheiro pode comprar e do que os pais querem dar, ele tem. Mas o que é que ele não tem tinha? Pelas razões óbivas, uma bateria. Bateria de instrumento musical, não bateria de telemóvel, ou isso. E as razões óbvias são: os pais podem comprar uma bateria para o puto, mas obviamente a ideia nunca lhes causou outro sentimento que não medo. E então pronto. Apesar de atrasada lá chegou a madrinha, com o embrulho que iria mudar a vida da criança. Foi vê-lo de baquetas nas mãos a dar por terminados todos os diálogos que estavam a decorrer. E ainda o hei-de ver, quase a entrar para a Universidade, a dizer-me:
- Oh madrinha, eu tenho aqui guardada uma memória que envolve o meu segundo aniversário e uma bateria. Lembro-me que adorei, e que me diverti imenso. Mas depois daquele dia nunca mais a vi. Ela existiu mesmo?
Inconformada com a irredutibilidade de sua santidade a nódoa, lembrei-me de uma saída airosa para toda esta confusão católica que nem Alá sabe onde acaba: um familiar próximo tem um amigo padre. Quer dizer, aquilo não é bem amizade: o dito padre anda enrolado com uma prima dele, divorciada (excomungada, portanto) e mãe de filhos. Lá está: vícios privados, virtudes públicas. A ideia era simples: ele expunha o meu caso e o dito padre ajudava. Até porque ninguém melhor que ele para entender que a intransigência da Igreja é deveras inapropriada, em certos casos. Como o meu. Ou o dele. Mas foi assim? Não. Porque este parece também ser um individuo de fortes convicções.
(Tempo para rir e apanhar os queixos que caíram ao chão).
A solução apresentada por este não podia deixar-me as coisas mais claras:
- Ele diz que uma forma de contornares a situação é se pagares os direitos.
- WTF?
- Sim, é uma espécie de contribuição financeira para a Igreja.
- WTF? WTF? WTF?
Resumo do que foi dito até agora:
Para baptizares uma criança precisas tão somente de uma certidão de idoneidade. A mesma pode ser conseguida de variadíssimas formas:
1 - Seres conhecido do padre da tua área.
2 - Teres feito o baptismo, a comunhão e o crisma e teres documentação que comprove isso tudo.
3 - Podes ser um grande fdp e não teres nenhum dos ditos sacramentos mas se comprares a tua indulgência, está tudo bem, a gente gosta de moedinhas.
Convém reter que:
Não interessa o tipo de pessoa que és: se tiveres feito os tais sacramentos e/ ou se deres tostõezinhos para a Igreja, tudo será perdoado.
Os padres estão isentos de praticar o que pregam e até de cumprir o que prometeram quando escolheram o sacerdócio. Os únicos que estão obrigados a ser o que a Igreja prega são os "simples mortais". Os pobres. Os outros podem perfeitamente pagar a entrada no céu.
Posto isto é que já ninguém tinha moral para me impedir do que quer que fosse. E não me venham com ideias peregrinas de: o baptismo é uma festa católica que inicia a criança na vida religiosa. Se és agnóstica, ainda que teísta, tens de meter o rabo entre as pernas e aceitar que não vais ser madrinha. O c@r@lhinho. O afilhado é meu e não vai cá haver faz de contas. Nem mentiras. Nem pagamentos para fazer esquecer o pequenino detalhe de eu não ter feito o crisma. Posto isto, passo a informar que há uma série de maneiras de contornar a situação. Sendo elas:
1 - Aparecer lá na lata sem papéis e ter a sorte de não ser interpelada pelo padre.
2 - Aparecer lá na lata sem papéis, não ter a sorte de não ser interpelada pelo padre, não assinar puto de papel nenhum. O baptismo precisa apenas de um padrinho, o outro pode ser "de boca".
3 - Assinar no local das testemunhas. Fica-se com a criança o tempo todo, mas na hora de assinar, a "madrinha" fica em branco e assina-se em "testemunha".
Eu fiz uma destas. Correu bem. E posso-vos dizer que era a única pessoa junto da criança que sabia as "letras" da missa. Não faz de mim grande católica. Afinal, lembro-me de tudo quanto são músicas dos anos oitenta sem grande esforço. Memória de elefante? Sim senhores. Mas num corpinho de sereia, obviamente.
A única coisa que falta em Valongo é mesmo ele.
Espero que tenha feito o crisma.
As pessoas ignorantes, parolas ou burras, per se, não me fazem confusão. Só aquelas que não têm a noção do ridículo ou que se acham muito espertas. E não. Com este feitiozinho não tenho muitos amigos. Mas são bons. Fui eu quem os escolheu...
Felizmente há malucos para tudo, inclusive pessoas que estão a limpar aspiradores às 2 da manhã, à porta de casa. Foi mais fácil encontrar a casa da parteira com a ajuda do Sr. Limpezas... Em beneficio da parteira, cumpre-me dizer que sim, nós fomos buscá-la a Ermesinde, mas estávamos a sair de Valongo, por isso não foi grande o desvio. Já quatro no carro (cinco, se contarmos com a razão que nos fez levantar da cama...), lá fomos nós. Nunca me foi tão fácil entrar na Baixa, e conseguir estacionar, mesmo à porta do Hospital... O segurança abriu-nos a porta, subimos para o quarto. A mãe vestiu uma camisa de dormir de hospital (último grito da moda), e eu presenciei a cena mais agoniante de toda a minha vida. E não, não estou a exagerar. Tantos avanços na medicina. Máquinas que fazem tudo, corações que se transplantam, câmaras de filmar microscópicas, e ainda enfiam uma mão inteira pela vagina acima a fim de medirem a dilatação, ou de verem a posição da criança, ou que quer que seja que aquilo serve para ver???? Mas que merda é esta? Não há uma porra duma máquina que faça aquilo?
Pequeno parêntesis para informar que, um dia, caso o destino decida pregar-me uma partida de mau gosto e eu engravide, a mim não me fazem aquilo. Isso eu garanto. Façam o que quiserem, adivinhem, inventem. Mas aquilo, não!!
Finda esta tortura, a parturiente pergunta a parteira:
- Vai ser parto normal?
Novo parêntesis: desde que engravidou, a "comadre" sempre retorquiu com firmeza aos meus conselhos de fazer uma cesariana com: "Não, não, eu quero parto natural...". Ao fim de cerca de cem tentativas, desisti. Fim do parêntesis.
A parteira olhou para ela e respondeu-lhe:
- Da maneira que ele está? Nem pensar. Vai ter de ser cesariana...
A "comadre" juntou as mãos em forma de oração, e olhou para o céu, com olhos de agradecimento. E eu pensei cá para mim o que, noutras circunstâncias, teria disparado: "I told you so!". Mas limitei-me a sorrir.
O primeiro a chegar com cara de neura foi o ginecologista/ obstetra. Chegou exactamente ao mesmo tempo que o pai da criança, que fez Viseu - Porto em tempo recorde. Olhou para ela, e lá disse, com ar de brincadeira:
- Isto são horas de ele querer nascer? À meia noite ou às seis da manhã está bem, agora às três... não está com nada.
Exame, perguntas, observações, mais exames, mais perguntas, e manda levarem-na para o bloco.
- O pai, vem assistir?
- Claro que vou.
- Então desça também.
Depois de águas rebentadas, transporte da parteira e primeira fila para o "fisting", não pude deixar de me achar no direito de fazer o que até já tinha combinado com os pais:
- Então e eu? Eu sou a madrinha, também quero ir...
Ele olhou-me, desconfiado. Ou ensonado, sei lá bem,... E lá disse:
- Sim, venha lá...
E pronto, por agora chega. Tenho sono, vou dormir. Um dia destes chega o terceiro e último episódio desta blogonovela.
Ao contrário da maior parte das pessoas, não vou pôr-me com falsas modéstias: sou gira, sou inteligente, sou interessante. Mas também sou Má... como todas as mulheres, não é? Como perceberão com as leituras, e como este é um reflexo de mim, naturalmente tenho um blog bipolar!