Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Este título não é irónico, lamento. Espera-se que de 2011 se digam cobras e lagartos, se cuspa para o chão e se bata na madeira à simples menção do seu nome. Mas 2011 tratou-me bem. Sei que o não fez à maioria das pessoas, mas eu não tenho razões de queixa. Antes pelo contrário. Claro que chorei em 2011. Mas ri mais. Claro que tive saudades do emprego antigo. Mas só porque tinha um emprego novo. Claro que odiei pessoas e lhes desejei mal. Mas as que amo estão bem. Claro que me faltou dinheiro para fazer tudo o que queria. Mas tive dinheiro para fazer mais do que aquilo que apenas precisava. Claro que houve pessoas que me desiludiram. Mas houve mais pessoas que me fizeram sorrir. Claro que eu podia concentrar-me apenas e só pensar nas vezes que chorei, nas saudades que tive, no ódio que senti, no dinheiro que não chegou e nas desilusões que me ofereceram durante 2011. Mas não. 2011 também me deu isso: a capacidade de procurar a janela quando a porta se fecha.
Há pessoas que não merecem os posts que tanto gostam de ler.
Como já aqui referi por mais de uma vez (os links? Sei lá deles…), sou pessoa de me desiludir pouco. Isto porque tendo, sempre que posso, a não criar expectativas. Lamentavelmente a pessoa que me acompanha os dias faz o contrário, acredita sempre nos outros, acha sempre que as pessoas são boas e queridas e que estão à altura de corresponder às suas expectativas. E, como uma relação (disseram-me) é feita de cedências, de vez em quando lá me deixo eu ir na onda e, num fenómeno quase “osmósico”, lá fico eu também a achar que sim, dá-se primeiro a oportunidade e depois, se for preciso, é que se levanta a guarda. Mas não. Os dias provam-me sempre que, infelizmente, eu tenho razão. Posso ser dona de uma "cabrice" incomensurável, posso perder belas oportunidades de conhecer pessoas óptimas apenas e só porque levanto a guarda primeiro e só depois vou percebendo se vale a pena baixá-la. Normalmente não perco, tenho vindo a comprovar. Porque as pessoas óptimas não abundam. Porque as pessoas alegadamente óptimas escondem não falhas, mas lapsos de carácter. Porque o que faz delas “óptimas” não é o assumirem uma posição, ainda que magoe. É ficar calado, num canto, à espera que ninguém perceba o “truque”. E depois, passada a tempestade, lá volta a pessoa “óptima”, cheia de sorrisos. As pessoas, em génese, e como eu já não estou habituada a ir em cantigas, não me desapontam pelas suas atitudes. É a falta delas que me chateia. E há tanto disso por aí…
Às vezes precisava de acreditar mais em coisas. Em coisas nas quais as outras pessoas acreditam e que eu, por ser um bocadinho descrente, não. Gostava de acreditar que as pessoas têm em dobro aquilo que fazem aos outros. Gostava de acreditar que as pessoas com um bocadinho de carácter têm um bocadinho de sorte, que às pessoas boas acontecem coisas boas, que às pessoas más o céu, eventualmente, lhes há-de cair em cima. Sempre fui estupidamente céptica e a vida nunca se deu ao trabalho de me apresentar provas de que eu estava errada. Continuam a passar-me diante dos olhos desequilíbrios absurdos. Continuo a ver gente que não vale o chão que pisa ou o ar que respira safar-se, airosamente. Só falta a medalha de mérito. Continuo a ver pessoas com uma dignidade irrepreensível serem castigadas, como se a vida fosse um daqueles colégios internos em que toda a turma é castigada porque houve um filho da puta que serrou a perna da cadeira da professora. Que pena. Às pessoas reles e poucochinhas o que eu desejo faz de mim uma pessoa rancorosa e mesquinha. Vai uma aposta que o karma, nesse caso, já funciona?
A mãe da S.
A mãe da minha colega S. subiu a um banco para pegar em qualquer coisa que estava numa prateleira mais alta e caiu. Ao cair, bateu com a cabeça no balcão da cozinha e ficou sem sentidos. Tinha o arroz no fogão. Estava com roupa de andar em casa, ia tomar banho antes de a família chegar para almoçar e ainda não tinha dado comida ao cão. Foram encontrá-la assim, caída, sem dar resposta. O arroz continuava ao lume e o cão estava deitado ao lado dela. A mãe da S. foi para o hospital num estado de coma do qual apenas saiu para morrer. A mãe da S. não sabia que ia morrer, não deixou contas pagas, roupa de enterro escolhida ou afectos acertados. A mãe da S. não sabia que ia morrer, a mãe da S. era uma senhora nova, sem doenças, sem problemas de maior. A mãe da S. tinha coisas combinadas, coisas pendentes, planos para depois. A mãe da S. não se despediu de ninguém, não disse às suas pessoas o quanto gostava delas. A mãe da S. ia à procura de um tacho, ou de uma caçarola, ou lá do que era. Caiu. Em casa. Caiu de um banco para onde subia constantemente, bateu com a cabeça no balcão que usava todos os dias, no dia em que a família se ia reunir. Foi uma morte estúpida.
As cinco pessoas que encontramos no céu
Eddie morre num acidente, no dia do seu 83º aniversário. Chegado ao céu, depara-se com uma surpresa que não foi muito do seu agrado: à sua espera estão cinco pessoas cujas vidas ele influenciou, ou que influenciaram a sua vida. Não são necessariamente as mais importantes. Não são necessariamente as que mais amou ou odiou. Poderá até nem ter conhecido todas as pessoas que encontra no céu. Mas há uma razão para serem essas as cinco pessoas que Eddie encontra no céu.
Gostaria de me lembrar mais vezes que esta coisa da imortalidade só está na minha cabeça. Que não sei quem são as cinco pessoas que vou encontrar no céu. Talvez seja bom "fechar" todos os dias as contas dos afectos. As outras? As outras podem ficar pendentes.
Ontem fui almoçar a Tróia. No regresso, a bordo ferry, vi golfinhos. Não é propriamente o Euromilhões, mas...
Não sei se foi em 1998 ou 1999 que vi o filme "A simple plan". Por não estar à espera de grande coisa, achei o filme brilhante. Não voltei a vê-lo, mas há uma cena que, ao fim destes anos todos, nunca me saiu da cabeça. Não consegui encontrá-la no Youtube, sabe Deus se vou ser fiel ao que vi, mas a coisa foi mais ou menos assim: depois de Hank (Bill Paxton - cortesia do IMDb), Jacob (Billy Bob Thorton) e Lou (Brent Briscoe) terem encontrado 4,4 milhões de dólares num avião despenhado no meio da neve e terem ficado com a certeza quase absoluta de que se tratava de dinheiro de droga, decidem guardar temporariamente o dinheiro e, caso não aparecesse ninguém à sua procura, pensavam no destino a dar-lhe. Chegado a casa, Hank (o fiel depositário do dinheiro) questiona a mulher (Bridget Fonda) sobre o procedimento a ter caso alguma vez encontrassem uma mala cheia de dinheiro. Devolver foi a sua resposta. E se o dono estivesse morto? Devolver. E havendo a absoluta certeza de que ninguém viria à procura dele? Devolvia-se, pois então. Vai daí e Hank espalha o dinheiro todo em cima da mesa, a mulher fica com os olhinhos a brilhar e logo logo muda de ideias e engendra planos atrás de planos para ficarem com dinheiro. Talvez com essa cena o meu cérebro tenha dado um clique e tenha percebido de uma forma muito clara que, quando estamos no mundo das suposições, tudo é preto ou branco. Somos todos pessoas cheias de princípios e com um carácter irrepreensível. Eu acredito que sou uma pessoa coerente. Fiel às minhas crenças. Praticante dos princípios que advogo. Tenho convicções fortes, ideias marcadas e chego a ser, por vezes, uma pessoa intransigente com quem "desalinha". Obviamente o universo não tem respeito por pessoas como eu. Dono de uma ironia fina, o universo decidiu presentear-me, há uns tempos, com a notícia de que um amigo meu, pessoa de somais importância numa fase da minha vida e digna de toda a minha confiança, havia sido detido por sexo com menores (talvez um dia eu seja capaz de dizer aquela palavra que começa por "p" numa frase como esta), posse de pornografia infantil e uma série de outras coisas que nem sequer deviam ter nome. O mundo, tal como o conhecemos, posso dizer-vos que desmorona. Pela primeira vez temos a certeza de que a notícia está errada. Desejamos que não seja colocado à mercê dos outros presos, tal como desejamos que todos os outros da mesma "categoria" o sejam. Pensamos se somos fieis à amizade ou ao princípio. Se apoiamos o amigo, repugnando as atitudes do criminoso. Se está errado estarmos preocupados. Se devíamos ter percebido. Se podíamos ter percebido. O cérebro não pára. O coração também não. A coerência, às vezes, é coisa difícil de manter.
Se a vida te correr bem, nunca saberás que os maus da fita, os tipos que cometem crimes, aqueles que têm comportamentos hediondos, não vêm de Marte. Podem estar ao teu lado. Ser teus amigos.
Se a vida te correr bem, digo-te eu, nunca verás as tuas convicções serem postas à prova. Nunca terás de provar que aquilo que tu defendes para o indivíduo distante que tu conheces de lado nenhum é exactamente aquilo que tu defendes para alguém que tu conheces, alguém em quem tu confias (confiavas?).
Se a vida te correr bem, sei do que falo, não serás obrigado a pensar se é suposto separares o coração da cabeça, a avaliar se valem mais os teus valores morais, se a tua inabalável (?) convicção no valor da amizade.
Se a vida te correr bem, há-de saber-te a pouco. Não terás um único dia em que penses que tudo o que acabou de acontecer é demasiado para assimilar.
Hoje, ao chegarmos a casa, demos de caras com um cano que decidiu (voltar a) cuspir água. Da primeira vez que ele cuspiu água, chamou-se "o senhor" que veio instalá-lo. Ele arranjou-o. Sendo que o verbo arranjar é aqui utilizado em total liberdade criativa de minha parte. O cano começou, pouco tempo depois, a pingar água, e nós arranjamos uma daquelas soluções fantásticas, que envolve um pano e algumas orações. Hoje ele achou que não estava a fazer-se ouvir quanto baste, e começou (voltou a) cuspir água. Diálogo de loucos que se seguiu:
Bad - Temos de fazer alguma coisa.
MQT - A única solução é passar-lhe uma daquelas fitas isoladoras.
Bad - Não há outra?
MQT - Eu disse a única. Se eu disse que era a única, não há outra.
Eu amuei.
Dez minutos depois, MQT remexe uns papéis:
Bad - O que procuras?
MQT - O número de telefone do "senhor".
Bad - Para...
MQT - Então... para vir cá arranjar o cano.
Bad - Pensei que a única solução era a fita isoladora.
Ele amuou.
Moral da história: nem sempre "a única coisa a fazer" é a única coisa a fazer.
Está bem que "o senhor" pode cá chegar e limitar-se a pôr fita isoladora. E aí sim, talvez essa seja mesmo a única solução.
Este post é sobre a cadela. A cadela que destruiu o jardim. A cadela que eu escovo todos os dias, para poder ter 2 metros quadrados de chão sem pêlo. A cadela que eu alimento. A cadela cuja pata eu mergulhei em Betadine e tratei porque estava magoada. A cadela cujas orelhas eu limpo. A cadela a quem eu dou biscoitos. A cadela que me deixou sozinha na sala para se ir deitar ao pé da porta da rua, a chorar a ausência do seu dono. Bitch.
Ao contrário da maior parte das pessoas, não vou pôr-me com falsas modéstias: sou gira, sou inteligente, sou interessante. Mas também sou Má... como todas as mulheres, não é? Como perceberão com as leituras, e como este é um reflexo de mim, naturalmente tenho um blog bipolar!