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Numa altura que parece ter sido em outra vida, a minha mãe foi madrinha de uma menina. Viu-a nascer. Quase a viu morrer ali, nos braços da parteira, com o cordão umbilical embrulhado no pescoço. A menina cresceu. Não havia fim de semana em que eu não tivesse o meu quarto invadido pela tal menina, que não largava a minha mãe, numa paixão alucinante. De repente a adolescência tomou conta da menina e a menina deixou, aos poucos, de dar notícias. Passou da invasão ao fim de semana a uma visita de quando em vez. A uma chamada no aniversário. Que acabou por se transformar em sms. Até à total indiferença. A menina, que é mais mal aprendida do que mal educada, tem uma mãe que (coitada!) tenta minimizar esta distância. Vai dizendo que a menina manda beijos. Que queria ter ligado mas não teve tempo. Que gostaria de ter visitado mas não teve oportunidade. Que sim, que passou lá ao lado, mas ia com pressa. Este ano a menina pediu a uma amiga comum (!) que entregasse o presente de Natal à minha mãe. A minha mãe pediu desculpa à amiga comum e disse-lhe que, se não se importasse de fazer um favor, devolvesse os presentes. Quando questionada, a minha mãe foi curta e grossa: de há uns tempos para cá, os únicos sapos que engulo são os tratamentos no IPO. E, desde que comecei a engolir esses sapos, percebi que já engolia sapos a mais antes.
That's it.
... negro.
Ontem pedi ajuda aos meus pais para mudar umas coisas em casa. A sobrinha estava de orelhas em pé e também quis vir ajudar (pois sim).
Dou comigo a olhar para eles, atarefados, e decido partilhar a minha constatação:
- Uma menor, uma doente crónica e um reformado. Só espero que a Segurança Social não me bata à porta agora...
É uma piada parva? É. Mas é uma piada.
A única coisa boa que se tira deste episódio é eu poder dizer por aí:
“Tive que levar o meu pai ao Hospital. Nem se aguentava em pé. Estava com uma pedra...”
De entre as coisas divertidas que se podem fazer nos finais de tarde de Verão, não se destaca aquela que me “brindou” o dia de ontem. O enquadramento ficará para mais tarde (isto fica assim ao jeito de um filme do Tarantino, começo pelo meio, arranco para o início e depois, se me apetecer, lá virá o final onde se vê a Bad a sair do Hospital dizendo ao porteiro: “Boa noite e as melhoras!”. Já era tarde, o porteiro estava ali, e foi o que me saiu. Por engano, é certo, mas posso sempre alegar que o porteiro estava com má cara. E razões não lhe faltam para isso, tal é a misantropia a que é relegada a criatura que tem que levar com aquilo todos os dias. A minha posição quanto ao serviço de urgências em Portugal é que não tenho uma. Primeiro, porque conto apenas com uma experiência, quando usufruí pessoalmente de uma negligente visita ao Hospital de Faro vai quase para 12 anos em que uma abantesma de bata branca quase me insulta por eu levar um calcanhar acabado de atropelar e com 76 centímetros de diâmetro às urgências. Alegadamente o gelo resolveria. Na prática foram precisos vários tratamentos que se estenderam por 6 meses. Uns bons anos mais tarde levei a minha avó às urgências e correu muito bem e ontem lá fui eu com o meu pai que, desta vez, não tinha aqueles super-poderes do costume que lhe fazem passar tudo quanto é dor, doença e fanicos vários. Tudo menos ir ao Hospital. E porquê? Ora, porque o Hospital está cheio de doentes!... Chegada ao Hospital, fato de Verão com o branco como cor principal, sapato de salto agulha, olho em volta e a única palavra que me ocorre é “overdressed”. Sim, porque eu posso estar no meio de gente estranha (e feia, em geral...), mas não tenho de reduzir o vocabulário à língua-mãe. Se bem que, logo a seguir pensei em vernáculo, já mais ajustada à ocasião, e saiu-me, só em pensamento, um “fod@-se”. O meu querido pai fez jus à fama de super-herói e foi contemplado com uma pulseira laranja (ou é para estar doente ou não é...) e um encaminhamento imediato para o médico. Eu? Eu fui condenada a passar três horas e vinte e quatro minutos na sala de espera onde estavam misturadas as pessoas com pulseiras azuis, as pessoas com pulseiras amarelas e os acompanhantes. Comum a todas elas os decibéis acima do suposto, a vontade de reclamar as duas horas de espera previstas e a sede de insultar médicos, enfermeiras, porteiros, seguranças, auxiliares e administrativos. Todos. Tudo uma vergonha. Este país é uma vergonha. Havia de lá estar a SIC ou a TVI, que elas queriam ver se se esqueciam delas daquela maneira. Um ultraje. Pessoas cheias de dores (não na língua e nos braços, tal era a força com que bracejavam aleatoriamente) para ali relegadas ao esquecimento, maltratadas pelo pessoal do hospital. Se fossem elas a mandar, olarila, era sistema FIFO* (isto sou eu a colocar a coisa num patamar mais elevado), não havia cá pulseiras! Ora eu quero aqui dizer que estou solidária com TODAS as pessoas que recorrem ao serviço de urgências. Partindo do princípio que é um mau sítio para entreter, aceito e acredito que todas as pessoas que lá vão tenham um problema que tem mesmo carácter urgente. Imagino que um dia, se eu tiver necessidade de ir lá, o meu caso será o mais urgente de todos. Porque somos todos um pouco parciais em causa própria, há uma coisa chamada triagem. A tal coisa das pulseiras com cores. E não, não é como nas séries de televisão americanas em que, por cada paciente que entra, há quatro médicos à volta (há toda uma explicação para isto, não criada por mim, que desenvolverei mais tarde). Nas cenas dos próximos capítulos é ver-me rumar para junto do meu pai (já com muito melhor cara e quase sem dores), deixando para trás os gritos de reclamação para dar de caras com os gemidos de dor das pessoas espalhadas pelos corredores. Tudo isto, relembro, em cima de uns saltos agulha altíssimos. Se houvesse um prémio para a pessoa mais bem vestida daquele hospital, as finalistas seriam a vossa Bad e uma outra acompanhante, que trajava leggings amarelos, top justo preto e havaianas lilás, e que gritava a cada cinco segundos: “Eu vou processar-vos a todos!”
To be continued (se quiserem...)
* FIFO (First In First Out)
Por alguns momentos vou transformar este num blogue de gaja e passar-vos algumas informações importantes, que foram partilhadas pela minha sobrinha ao jantar:
Lição 1: gosta-se do Zé porque todas gostam do Zé. Ela também gosta do Zé. Porque todas gostam. Hello???!!!!
Lição 2: o Zé, porém, gosta apenas da Inês. Porquê? Porque ela tem caracóis. Óbvio.
Lição 3: o segundo tipo mais giro da sala é o Miguel. Sendo que não queremos namorar com o Miguel, porque ele tem os dentes porcos.
Lição 4: o Zé namora com a Inês. Não obstante o namoro, o Zé abraça todas.
Lição 5: o Pedro e o João provavelmente namoram. Porque ninguém gosta deles. Razão? São feios. Resta-lhes que se aturem um ao outro.
Até aqui as gargalhadas foram moderadas. Mas como começou ela a descrever o Zé (relembro, o tipo mais giro da sala e do qual todas gostam)?:
- Tem botas ortopédicas...
Porque é que, de repente, eu acho que o Pedro e o João são do mais giro que há?
Em suma: andam todas atrás do mesmo, gostam dos mais porcos ou dos mais excêntricos, eles não respeitam as namoradas, e os feios que fod@m. Está bem que ela tem cinco anos, mas conheço tanta gaja de trinta com perspectivas semelhantes...
Liguei para a minha mãe e ouvi vozes de fundo:
- Andas a passear?
- Não, estou em casa.
- É que estou a ouvir vozes.
- Ah, isso... é o Mourinho.
- Ui... isso é que era!...
- Oh, filha, só se fosse pelo dinheiro.
- Mas com ele não ias mal.
- Olha, mau feitio por mau feitio, prefiro ficar com o teu pai. Assim, vou sabendo com o que conto.
E pronto, era só isto.
Ontem, por volta das 22h20, ligo eu para o meu pai:
- Então o nosso Liverpool?
- Eh, eh, eh... muito bom.
- Pena só terem sido 4...
- É. E eles terem marcado.
- Marcar foi bem. Ainda tiveram esperança...
- E o que importa é que perderam.
- Pois é. Até amanhã.
- Até amanhã. Dorme bem.
- Oh... se durmo.
E não venham para aqui com merdas que eu sei muito bem que os benfiquistas ficaram todos contentes quando o FCP perdeu com o Arsenal.
E isto não é falar de futebol, é falar de família...
Nunca quis saber de ter o melhor pai do mundo. O mundo é tão grande, tão cheio de gente que eu não conheço. Cheio de filhas certamente melhores que eu. E pais que as mereçam. O meu pai, ao contrário dos pais perfeitos e melhores do mundo que eu leio por aí, é carregadinho de defeitos que só desculpo porque tem ainda mais virtudes. O meu pai, que não será o melhor do mundo, tem um feitio desgraçado. É teimoso como uma mula. Não sabe pedir desculpas. Substitui por presentes e mostra-se muito arrependido. O meu pai, esse que não é o melhor do mundo, disse-me "não" tantas vezes e a tantas coisas, que lhes perdi a conta. Nunca me faltou nada. O meu pai, esse que não é o melhor do mundo, não me deixava ver TV a seguir ao jantar. Tinha de ler. O meu pai, que está longe de ser o melhor do mundo, sempre teve um ombro disponível. Nunca deixou que ninguém me fizesse chorar uma segunda vez, e nunca me perguntou porquê, quando lhe pedi coisas. O meu pai não é o melhor pai do mundo. Mas nunca pensei que gostaria de ter tido outro. E isso basta.
Recém chegada do bloco operatório, após mais uma interminável cirurgia à coluna, ainda baralhada pela anestesia, foi ouvir a minha mãe "dar na cabeça" do marido da senhora da cama ao lado:
- O senhor tem um ar abatido (não, ela não o conhece de parte alguma). E não pode. Quando estamos doentes precisamos é de quem nos dê apoio, não podemos andar a dar colo aos outros.
E pronto. Sabe mais em recobro do que muita gente acordada.
Confesso que, apesar de adorara minha sobrinha, tenho alguma dificuldade em aceitar as saídas airosas dela para todas as situações. Tendo como certo que o poder de argumentação é bom em qualquer idade, encaixo mal que ela lhe alie a "criatividade" quando começa a "derrapar" numa explicação. Depois de lhe ter dito o que aconteceu ao Pinóquio por mentir ( e de descobrir que ela não se preocupa muito com isso porque ela não é de madeira e o nariz não lhe vai crescer), decidi usar argumentos religiosos (logo eu). A conversa foi mais ou menos assim:
- Antes de falares pensa bem no que vais dizer. Jesus ouve tudo e vê tudo, e não gosta que as pessoas mintam.
Ela, um olho em mim outro a apontar de soslaio para cima, responde-me em sussurro:
- Ele aqui não vê. Tem tecto.
Cheia de vontade de rir e com uma renovada dose de moral em cima, lá continuei:
- Isso é o que tu pensas. Jesus tem olhos especiais e ouvidos especiais. Ele vê mesmo que haja tectos e paredes, e ouve mesmo que fales muito baixinho.
Ela olhava-me extasiada. A aproveitar a ausência de perguntas por parte da criança, lá avancei eu:
- Então diz lá o que ias dizer.
A resposta óbvia:
- Esqueci-me.
Ao contrário da maior parte das pessoas, não vou pôr-me com falsas modéstias: sou gira, sou inteligente, sou interessante. Mas também sou Má... como todas as mulheres, não é? Como perceberão com as leituras, e como este é um reflexo de mim, naturalmente tenho um blog bipolar!